quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Dia da Consciência Negra

A outra Negra Fulô

(Oliveira Silveira)


O sinhô foi açoitar
a outra nega Fulô
- ou será que era a mesma?
A nega tirou a saia
a blusa e se pelou
O sinhô ficou tarado,
largou o relho e se engraçou.
A nega em vez de deitar
pegou um pau
e sampou nas guampas do sinhô.
- Essa nega Fulô!
- Essa nega Fulô!,
dizia intimamente satisfeito o velho pai João
pra escândalo do bom Jorge de Lima,
seminegro e cristão.
E a mãe-preta chegou bem cretina
fingindo uma dor no coração.
- Fulô! Fulô! Ó Fulô!
A sinhá burra e besta perguntou
onde é que tava o sinhô
que o diabo lhe mandou.
- Ah, foi você que matou!
- É sim, fui eu que matou
–disse bem longe a Fulô
pro seu nego, que levou
ela pro mato, e com ele
aí sim ela deitou.
Essa nega Fulô!
Essa nega Fulô!



Muito louvável e digno o engajamento do professor e poeta Oliveira Silveira, na luta pelo reconhecimento do negro enquanto cidadão, artista, intelectual etc.
Do poeta Oliveira Silveira, sabe-se muito pouco ainda, mas desse pouco, sabemos que nasceu em Rosário do Sul, município à oeste do estado do RS, em 1941. É formado em letras, professor e pesquisador, militante pela causa da integração do negro na sociedade.
Pesquisas realizadas por Oliveira Silveira acerca da morte de Zumbi, dão conta de que 20 de novembro de 1665 foi a data oficial da morte do líder dos Quilombos, motivo pelo qual escolheu-se este dia para o reconhecimento do negro enquanto cidadão.
Embora não muito divulgada, a obra de Oliveira Silveira já tem poemas traduzidos em outros idiomas, dentre eles o inglês e o alemão. Consta de suas publicações as obras “Germinou”(1977), “Banzo, saudade negra”(1970), “Pelo Escuro”(1977), “Roteiro dos Tantãs”, entre outras.
Os versos de sua linguagem produzem uma estranheza que revela uma certa malícia e ironia.
O poeta que escreveu “Outra nega Fulo”(1970) é um poeta engajado com questões da integração do negro na sociedade, assim como Jorge de Lima o era em 1928, quando escreveu “Essa Negra Fulo”.
Nota-se um constante diálogo entre os dois poemas e ambos fazem exaltação à mulher negra.
A poesia de Silveira ironiza e dialoga o tempo todo com a de Jorge de Lima.
Enquanto Silveira afirma, interroga, exclama como alguém que desabafa, Jorge apenas relata os fatos, com indignação, mas passivamente sem envolvimento efetivo.
Silveira é dotado de coragem e enfrentamento, Jorge de Lima transcorre displicente, dócil à perspectiva de uma memória de infância, quase uma crônica do nordeste escravocrata.
Ao meu ver estamos necessitados de muitas outras consciências como a Consciência Verde, a Consciência Social, a Consciência Política, a Consciência Ambiental, a Consciência da tolerância a todas as desigualdades, sem exceção.
Zumbi é na verdade um símbolo da discriminação de toda ordem, seja ela étnica, religiosa ou sexual - esta inclusive no que diz respeito à opção.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Só digo aquilo que vejo

Só digo aquilo que vejo: não invento, nem aumento!
Longe de mim fazer mau juízo do rapaz! Rosalvo era o nome dele. Mas que ele tinha hábitos estranhos, ah! isso lá, ele tinha.
Onde já se viu levantar às 3 da manhã, vestir a roupa da mulher, atravessar a rua e entrar na casa da vizinha?
Diziam que ele sofria de sonambulismo, e que era perigoso acordar o doente, pois corria risco de morrer. Nunca ouvi falar nisso, mas...
Já tinha tentado todos os tratamentos, mas não havia meio dele querer sarar.
Coisa estranha! Sua mulher coitada, para compensar a ausência do marido, ficava acordada a noite inteira – fazendo poesia.
E eu, de quando em quando, olhava pela fresta da minha janela, para assuntar se estava tudo bem com Alva, a pobre da esposa. Afinal ela ficava sozinha. Não podia ir atrás do marido, senão ele morria.
- Doença triste essa!
Às vezes, aparecia um vulto que andava pela sala e estava sempre do lado da esposa de Rosalvo. Acho que era o mentor das poesias que ela fazia. Era um vulto alto, forte e perfumado.
- Como eu sei que ele era perfumado?
- Ora, de vez em quando batia um vento de lá, que entrava pela minha janela, e trazia o cheiro da lavanda!
Mas esse vulto aparecia também na casa da vizinha, uma casa amarela, para onde Rosalvo ia quando ficava sonâmbulo.
Ainda bem que isso só acontecia quando o marido da vizinha viajava.
E ele viajava toda semana... mas era a trabalho!
- Doença triste essa!
Certo dia, depois de tantas noites em claro, Alva foi contar quantas poesias tinha feito.
A doença de Rosalvo rendeu um livro com 200 páginas de poesias.
No início eram poesias de exaltação à natureza, ao amor sublime...daquelas de roubar a alma da pessoa amada!
Mas com o passar do tempo, Alva foi ganhando tanta inspiração, que suas poesias passaram da exaltação à excitação. Eu diria que eram eróticas mesmo! Deve ter sido influência daquele mentor alto, forte e perfumado.
O livro de Alva fez tanto sucesso que ela conseguiu pagar um excelente tratamento para Rosalvo. Ele não tem nem sinal de sonambulismo mais!
Mas a vizinha...Enfim! Tornou-se mãe de uma linda menina!
E Alva afeiçoou-se tanto à menina, que passava horas lendo histórias infantis para a pequena princesa, que lhe roubava a alma, tamanha era a sua doçura!
A menina foi crescendo com uma forte convicção: queria ser escritora de “histórias infantis” tão lindas quanto as “poesias de Alva”!.

Exercício proposto por Bruno Cobbi, intitulado Roubando Almas.
Desafio feito pela Patrícia Cytrynowicz: Um narrador envenenado.

Confira o mapa da aventura.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

E a Terra girou!

De repente ficou noite. Foi muito rápido. Rápido para ficar noite, mas uma eternidade para clarear o dia. Que não clareou!
Até aquele momento, a vida seguia tranquila; tudo no seu lugar.
Entretanto, já havia algum tempo, o sol apresentava algumas alterações de humor.
Olhava para a humanidade e do alto de sua dominância, não gostava do que via.
O fato é que as atitudes, os pensamentos, enfim, o comportamento da humanidade estava refletindo negativamente em seu trabalho. E também em seu humor.
Olhei pela janela e vi que o céu se pintava de um azul indescritível! E o sol soberano, intensificou o seu dourado. Parecia que tinha intenção de sobrepor-se ao azul celeste. Afinal ele era o rei do universo.
E assim o fez. O amarelo do Sol se impôs ao azul do céu. Vencido o embate, retirou-se repentinamente do cenário. O dia fechou-se. As nuvens apareceram e a Lua se instalou. Mas estrelas... nenhuma!

Fez-se noite. Eclipse? Não; certamente que não. O astro não queria voltar!

Nos restaurantes, pessoas que aguardavam para almoçar; jantaram. O comércio encerrou o expediente. Era noite. Algo inexplicável estava acontecendo.Segue-se então, uma semana sem a luz do sol.

A natureza, aos poucos ia se transformando. A comunidade científica colocou-se de prontidão. Animais metamorfosearam-se. O cachorro transformou-se em urso, o cavalo adquiriu aspecto de elefante, borboletas viraram águias.
Desequilíbrio total da natureza! Imagine o número de formigas que há no planeta; pois então: estas se transformaram em hipopótamos.
Um ano de transformações contínuas! O hemisfério Sul atravessou a linha do equador e trocou de lugar com o Hemisfério Norte. O eixo da Terra girou! A temperatura caía cada vez mais. Tudo estava fora de lugar, fora de controle.

Uma convenção mundial foi convocada! O fim da humanidade era iminente!
Idéias fora do lugar – decidiu-se então – recolocá-las em ordem e começaram pelo resgate dos valores humanos. Demorou algum tempo para que todos fossem lembrados - o “respeito” encabeçou a lista; depois vieram a honestidade, o caráter, a fraternidade...

Enfim, pouco a pouco a humanidade ia se reorganizando, na esperança de poder reparar algo que não havia dado certo.
E o sol? Cientistas presumem que ele tenha desaparecido do Universo. Mas para a ciência, o resgate do Sol será prioridade nos próximos 2.000 anos!

domingo, 19 de outubro de 2008

Fita Cinza






...e a menina segue agora pela avenida poluída, respirando o puro ar tóxico emitido pelos motores envenenados.Embora já acordado pelo tratado de Kyoto, mas indispensável para a manutenção do capitalismo, a emissão desses gases ainda continuam prejudicando seus frágeis pulmões.

A pequena ainda se lembra de quando passava por este mesmo caminho e só vislumbrava paisagens verdes e ar úmido. Era um tempo em que caía uma garoa fina... de lavar a alma! Até a sua fita ainda era vermelha... tal qual as framboesas que levava para sua vovó juntamente com potes de geléia. Com o passar dos anos, sua fita que era vermelha, ficou verde e agora está Cinza.

A vovó morava na floresta e Fita Cinza costumava visitá-la. Mas só o fazia durante o dia, e ainda assim, tomando todos os cuidados, obedecendo as recomendações de sua mãe.

- Filhinha, tome cuidado pelo caminho,há muitos mistérios e perigos na floresta. Ao primeiro sinal de perigo, peça ajuda ao caçador, ele haverá de protegê-la.

E assim, Fita Cinza seguia o seu caminho e quando se deparava com o perigo, ou seja, sempre que avistava o Lobo, pedia ajuda ao caçador. Mas o caçador não era bobo!

Fita Cinza cresceu! Sua fita que era vermelha e depois verde, escureceu, acinzentou. A vovó e a mamãe velharam - como disse Sr. Guimarães - e morreram. Fita Cinza ficou só. A Alameda se transformou em Avenida, as árvores deram lugar aos automóveis. O lobo se casou e se multiplicou. Fita Cinza está só! Enfrenta, todos os dias, muitos lobos na floresta de pedra. Os caçadores também se multiplicaram para combater os lobos, mas o responsável pela floresta de pedra não tem verbas para comprar armas para os caçadores.

E ... Fita Cinza está só! E se trancou dentro de casa a olhar o Sol pela janela.

Com medo de sair, ela convida o Sol para entrar e fazer-lhe companhia por alguns instantes.

E ele responde:

- hoje não posso, quem sabe amanhã, quando estes gases de Kyoto não estiverem obstruindo o meu caminho! Aí sim, poderei visitá-la.

Fita Cinza fecha a janela e adormece ofegante.

E ...



Exercício proposto pelo prof. Luiz Roberto para o Módulo Web Escrita: Paráfrase do conto "Fita verde no cabelo" de Guimarães Rosa

Curso de Pós Graduação "Formação de Escritores"

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Hai Kai

(Hai Kai)

Gota de Chuva
Deslizando na face
Amargurada


O Sol e o orvalho
Na folha da esperança
Dia ensolarado



Lu Faria

sábado, 31 de maio de 2008

O silêncio de 1000 palavras

Curso “Formação de Escritores”
Aula de Encerramento do I Módulo
Texto Apresentado:

O Silêncio de 1000 palavras

O sol brilhava naquela manhã como nunca brilhara antes. O céu parecia estar se abrindo para receber as mais nobres almas . Aurélia segue em direção ao armário da cozinha, apanha uma toalha de linho branco com suaves bordados coloridos.Tons muito claros de azul, rosa e verde já desbotados pelo tempo. Prepara uma mesa no jardim e coloca a toalha.

Dispõe sobre ela um pequeno arranjo de flores campestres e espalha em seu redor, algumas cestas de pães e geléias. O antigo aparelho de chá, de beleza incomum, completa a decoração. Apesar do ambiente primaveril Aurélia está melancolicamente perturbada. Senta-se à mesa, coloca algumas gotas de barbiturico no chá. Espera esfriar. Enquanto isso, liga um pequeno gravador e diz: estou muito cansada!.

Suas recordações começam a ser registradas naquele aparelho como se fosse a única forma de deixar um recado a alguém.Olhar distante, voz fraca... quase sussurrando registra cada segundo que sua memória - cúmplice de toda a vida - lhe traz à tona:

...( )“Dezembro de 1917, muitas famílias oriundas da Itália, desembarcam no porto de Santos. Com os corações sangrando de marcas provocadas pela guerra, mas cheios de esperança, pisam no pedacinho de chão que agora é deles também .A sensação de paz e liberdade toca a todos intensamente, mas em especial a minha família (e eu ainda dormia no ventre de minha mãe).

O serviço de imigração , logo dá destino àquelas famílias entregando-as aos cuidados de seus novos patrões, a maioria, latifundiários do interior do estado.

Ao contrário de outras famílias, a minha ficara na capital para trabalhar no comércio e nas residências que os fazendeiros mantinham por aqui.”

Minha mãe dizia:”apesar de haver um clima de tristeza no ar, por causa da guerra, aqui ainda vive-se melhor do que na Europa. A comida não é farta, mas o povo tem o feijão para colocar no prato. E pode andar livremente pelas ruas”.

No ano seguinte, fatos importantes marcariam nossas vidas. Agora, acontecimentos de alegria e de esperança no futuro. Dias após o meu o nascimento, todos saíram às ruas comemorando o término da guerra.

Durante alguns anos permanecemos amparados por nossos patrões e nada nos faltou. Minhas irmãs e eu, estudávamos e ajudávamos nossos pais no trabalho da casa e também no comércio. Na escola, brincávamos em chão de terra batida. Em dias de muito sol, nossas brincadeiras provocavam um enorme nevoeiro que subia em direção ao céu.

Dizíamos que eram nuvens de poeira levando pedidos de “paz para o mundo” e que Deus nos enviaria uma resposta assim que recebesse aqueles pedidos.Ouvia minha mãe sempre dizendo sobre os horrores da guerra e das lembranças da Itália.E eu, até nas brincadeiras, pedia pela paz.

Queda da bolsa em NY. Fazendeiros perderam tudo que tinham. Não foi diferente por aqui e atingiu também os nossos patrões provocando-lhes a falência. Desamparados, fomos morar em cortiços improvisados no bairro da Mooca, onde se formavam pequenas colônias italianas. A vida ali se mostrava muito difícil, mas com a união de todos , tudo se tornava mais suave. Era uma vila em que não havia tristeza. Quando alguém na vizinhança adoecia ou perdia o emprego, todos ajudavam com alimento e roupas.Aos domingos fazíamos uma grande mesa no quintal e cada um trazia suas travessas de molho, macarronada, pães e vinhos. Dez anos se passaram. Em casa todos trabalhavam, mas o dinheiro mal pagava alimentação.Era minha vez de ajudar e fui trabalhar numa fábrica de biscoitos. Exatos doze meses e uma nova crise mundial dava sinais de vida.Fui demitida. Muitos perderam seus empregos nessa época. Sem emprego e sem condições de ajudar no sustento da casa, decidi me casar. Pensava que agindo assim a situação melhoraria. Casei-me e logo engravidei. Nasce Francisco.

Anos de grandes tensões sociais no cenário político mundial: novamente o mundo sofria as pressões da guerra.

Meus pais já haviam passado por tal situação e fora muito difícil ultrapassar mais esta. As desilusões e o sofrimento com a perda de parentes na Itália, dentre eles minhas irmãs- que para lá tinham retornado- foram dizimando-os lentamente aqui no Brasil. Em 1948 uma pneumonia tira minha mãe do nosso convívio . Esta perda agrava também o estado de saúde de meu pai que no ano seguinte se despede para não mais voltar. Amélia, a irmã mais velha, em virtude da idade avançada e sem filhos para ampará-la, pede para ser internada em um asilo. Nunca mais a vi.

O golpe derrubou-me. Morri. Renasci. Sonhava agora com netos e velhice tranqüila.

Francisco, então com 40 anos, começa sua militância pela democracia.

Nessa ocasião, por motivos até hoje não esclarecidos, meu marido sofre um “acidente” e é hospitalizado. Dias depois morre. Sozinha, minhas forças diminuíam dia após dia.

Minha grande preocupação era Francisco, que enfrentava perseguições, exílios e prisões.

No entanto é acometido por um câncer que o leva a óbito, tirando-lhe o sabor da vitória pela democracia que viria com as “Diretas já”. Desta vez não suportando as pressões , pedi a Deus que me levasse também. Pensei em fazê-lo por meios próprios, mas...

Anos após a morte de Francisco, na casa amarela ao lado da minha , muda-se dona Benedita, senhora de 90 anos, sem família , com uma enorme dificuldade de locomoção – era Parkinson.

Além disso, tinha o rosto desfigurado devido a queimaduras recentes e sofria de amnésia.

Apesar dos meus 80 anos, reuni forças e sai em busca de auxílio médico e assistência social para a recém-chegada vizinha . Um hospital da cidade disponibiliza, não só o que fora solicitado, como também visitas semanais a Benedita.

Voltando o olhar à mesa Aurélia diz:

- “Missão cumprida!”.

E desliga o gravador.

Leva à boca, o chá envenenado.

Neste momento Benedita invade o jardim, com um papel nas mãos, dizendo:

- Aurélia, encontrei isto em meus documentos, não sei do que se trata pois não enxergo mais.

Ao ler o papel Aurélia descobre: Benedita era na verdade, Amélia, a irmã que deixara no asilo.

Sorriu...e as lágrimas calaram sua voz!

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Meu filho

Pensei em fazer uma poesia, que estivesse à altura do sentimento que nutre a minha existência. Mas como falar de luas e estrelas, se o meu mundo é você? A lua que venero está dentro de você, as estrelas com as quais converso todas as noites são seus olhos.

A brisa ofegante da manhã é a sua respiração, despertando-o para mais um dia.

Na translação de seus movimentos suaves, sinto a realidade e a eternidade se fundirem, como se fosse o Ouro do Sol. Tudo que vejo e sinto em você, é a natureza querendo me transmitir mensagens que nunca consigo decifra-las por completo.

Cada gesto seu me faz descobrir um mistério ainda não desvendado. E eu peço a Deus que me eternize para que eu possa crescer a cada dia, seguindo seus passos, que mesmo em silêncio, mostra o valor de um espírito nobre. A paciência do tempo, a humildade da sabedoria, o desapego do material e o respeito com o semelhante, são alimentos diários que você – como um experiente nutricionista - me prescreve cuidadosamente , para que eu viva em equilíbrio com a natureza.

Assim como a natureza, também sofro constantes mutações. Mas quando a metamorfose bater à minha porta, para finalmente me processar, terei um último pedido a fazer: quero ser o vento para enxugar suas lágrimas, quando alguma tristeza lhe abater ou mesmo quando uma emoção mais forte lhe tomar de assalto.

Indicação para leitura:
Livro: DNA Espiritual
Autor: Celso Cardoso Pitta

Sinopse:

Teriam os seres humanos uma genética espiritual, que poderia ser usada para se comunicarem com Deus? Segundo o Cristianismo e algumas linhas de pesquisa e estudos, a resposta é sim! Este código seria uma 'assinatura' de Deus em cada uma de nossas células, e que abre uma nova perspectiva para a humanidade, uma vez que nos coloca na condição de seres divinos. Estas e outras revelações estão no livro 'DNA espiritual' que compila vários anos de estudo do autor e de suas próprias experiências iniciáticas, traduzidas de forma simples e direta.



segunda-feira, 12 de maio de 2008

Diálogo com Cora

Numa tarde de domingo, filho ainda pequeno, quase um bebê. Recém-casada, insegura e ao mesmo tempo confiante no futuro, entre um olhar e outro repassando as páginas daquele livro, Silvia se transpõe do real ao imaginário inserido-se na poesia como se tivesse atendendo a um chamado.

Começa então a dialogar com a escritora, ou quem sabe com a própria personagem. Isso nunca fica muito claro em casos assim.

O certo é que muitos questionamentos atormentavam Silvia, pois apesar de estar feliz no casamento e ser mãe amorosa e dedicada, seu olhar estava sempre a perseguir e comparar sua carreira do lar, com as bem sucedidas carreiras das amigas.Isso entretanto não a tornava infeliz, pois sempre ponderava: Será que vale a pena renunciar a convivência e a educação de um filho? Será que elas, as amigas, não se arrependeriam mais tarde? E aquelas que optaram por não serem mães?

Neste momento seus olhos avançaram duas ou três frases e as respostas começaram a lhe surgir num diálogo que parecia penetrar-lhe a alma.

Cora, a escritora, discorria sobre a missão da mulher:

_ "Renovadora e reveladora do mundo. A humanidade se renova no teu ventre. Cria teus filhos, não os entregues à creche. Creche é fria, impessoal. Nunca será um lar para teu filho. Ele, pequenino, precisa de ti”.

E Silvia olhando para o seu filho brincando, sentado no tapete da sala responde:

_ Sim, farei tudo para estar sempre ao seu lado. Estes momentos não mais voltarão. Quero entregar ao mundo, alguém possuidor de valores morais e humanísticos.

Cora, percebendo a auto-reflexão de Silvia, continua:

_ “Não o desligues da tua força maternal. Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições... Empregos fora do lar?
És superior àqueles que procuras imitar. Tens o dom divino de ser mãe.

Em ti está presente a humanidade.”

E Silvia novamente interfere:

_ Não me considero superior a ninguém, e devo confessar que gostaria sim, de obter independência, igualdade de condições...Empregos fora do lar. Por outro lado, eu não me perdoaria, ver meu filho sem uma referência de conduta, de amor e respeito ao próximo.

Cora, então arrisca suas últimas cartas, em defesa da felicidade de Silvia:

_ “Mulher, não te deixes castrar. Serás um animal somente de prazer e, às vezes, nem mais que isso. Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar. Tumultuada, fingindo ser o que não és. Roendo o teu osso negro da amargura."

Silvia termina sua leitura e olhando para o filho, abraça-o forte e agradece a Cora, por ter lhe mostrado a grande missão da Mãe.

O que Silvia não imaginava é que após tantos anos pudesse estar trabalhando lado a lado com seu filho; ele jornalista, ela revisora.

domingo, 11 de maio de 2008

Língua Mátria


A língua portuguesa

Mátria de Caetano

É também a de Teresa

Horta de Lisboa

Tanto aquela ...

Como esta

Traz no seio a certeza

De Horta... o amor profano

De Caetano: homenagem

Ao Recôncavo baiano

Do Lácio a língua é Pátria

Pois cá, ela é Mátria

É Frátria!

É língua Carioca, Paulista,

Gaúcha, Goiana e Mineira

Que apesar das variantes

É a língua Mátria Brasileira

Desabafos e Reflexões

Assim como grandes pessoas que conheci e passei a admirar, eu também Vivo de Coincidências! Não podemos fechar os olhos e cruzar os braços quando a vida nos coloca diante de uma Cortina Aberta, que nos faz pensar as Patricularidades de nossa missão enquanto seres humanos.

Por força do caminho que escolhi para trilhar, que por sinal é repleto de Amor e Luz, nas últimas três semanas estive envolvida em congressos e seminários, que Literalmente me levaram a Ler, Pensar e escrever.

Graças e estes congressos e seminários voltados às áreas de Língua e Literatura, tive o Supérfluo e Oportuno Instant Karma, mas logo percebi que de supérfluo nada tinha, pois o Karma é próprio de cada um. Sendo assim, o Desassossego em nada ajudaria.

Ultrapassei este “Portal” como se estivesse entrando na Toca do Coelho, pois sabia que de lá tão cedo não voltaria, embora essa toca, neste momento, fosse o lugar mais adequado para minhas Epyphanias. Entretanto, senti os Instintos da Pele me conduzindo para um mundo especial de Letras e Vozes. Em cada palestra proferida e cursos ministrados, a importância das palavras se tornava mais evidente e acabei descobrindo em mim uma verdadeira Therezinhateca (mulher em busca de palavras).

Nesta toca, digo congresso, estive em contato com umas das mais expressivas escritoras portuguesas, da atualidade: Maria Tereza Horta, cuja sensibilidade e simplicidade me tocaram profundamente. Suas palavras brotavam como flores que semeavam o solo, surgindo ali um verdadeiro jardim, que resolvi chamá-lo de Floraletras, onde Libélula dançava e sorria, esquecendo-se, inclusive, de quão curta é sua existência.

Andando e Letrando por esse mundo fantástico de Aprendiz de Escritor, encontrei caída no chão uma pequena moeda: Reverso-Inverso. Olhei-a fixamente, joguei-a pra cima e ao cair, ela me conduziu magicamente para 1958. Lá estava o Luiz sentado numa varanda, tendo ao seu lado um amigo, editor, que lhe mostrava a última edição do jornal Blorufa ou Palufa, não sei ao certo. Mas era certo que riam muito, pois eram notícias de humor e o anunciava, para o próximo número, o achamento de Luiz.soares 1958.

Ao sair da toca, o mínimo que tinha a fazer era me desculpar com meus colegas e professores pelo longo período ausente e a maneira que encontrei foi por meio deste "pedido de desculpas coletivo."

terça-feira, 22 de abril de 2008

TAMBOR

Tambor de chamamento!
Símbolo sagrado
Como o vinho e o pão
Também é instrumento
De luta e intimidação


Tambor, visão lendária
De som primordial
Marcador de sentido
De ritmo universal

O tambor desse poema
Ecoa no vazio
Leva como emblema
A bandeira do Brasil

O som desse tambor
É o grito do povo
Que clama com razão
Por um sentido novo
De Ética e Educação

O som desse tambor
É o símbolo sagrado
De um grito sufocado
Do direito seqüestrado
De um povo enganado

O som desse tambor
É um chamamento
De respeito ao cidadão
E... dignidade pra nação

Autor: Lu Faria dos Anjos

Conselho de Lya Luft

Conselho de Lya Luft

"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."

Ontem fiquei extremamente aliviada ao ouvir uma entrevista de Lya Luft para a Globo News. Questionada a respeito de sua assiduidade em escrever seus textos, ela respondeu : “tenho um enorme respeito pelo meu leitor; ele conhece cada segundo de meu estado de espírito; reconhece meu humor em cada texto que publico”. O leitor é meu confessor, meu cúmplice e em nome desta relação de fidelidade, sinto-me no dever de escrever somente quando tenho algo muito importante para trocar com ele”. E prosseguindo a entrevista ela declara mais adiante, que prefere ficar dias sem escrever, a publicar um texto fabricado. Isso, entretanto, é uma posição da escritora, o que “não quer dizer que outros autores não possam ter criações mais constantes”.Confessa ainda, uma certa preocupação com o enorme número de publicações lançadas no mercado literário ultimamente, na maioria das vezes, sem nenhuma qualidade. Em resumo, segundo Lya Luft, escritores existem, mas devem ser lapidados e devem buscar a alma do leitor! (grifo meu).Esta declaração me deixou duplamente confiante. Por um lado, o professor Perissé está nos lapidando e nos ensinando os caminhos para buscar a alma do leitor e por outro lado, não precisamos nos sentir culpados por passarmos um dia sem escrever!

Pensando bem! ... Ela pode se dar ao luxo de não escrever por alguns dias. Afinal sua produção certamente não encontraria espaço suficiente para ser publicada de uma só vez, não é mesmo?(rsrsrs)

...Continuemos nossa produção diária! Um dia chegaremos lá!

Tentarei ser: nem frágil e nem vigorosa...mas verdadeira!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

NOVIDADE

ESDC- Curso de Formação de Escritores : Exercício de Avaliação

Desmembrar a palavra NOVIDADE e construir o maior número de palavras derivadas dela. Por exemplo; ave, neve, dia , idade, novo, Nívea, onda etc.
Construir uma poesia apenas com as palavras derivadas, sem entretanto, acrescentar qualquer outra letra que não faça parte da referida palavra.


A ave voa!
Aonde?
Na névoa, na neve!
Invade o nada,
Nada na onda.
Ávida, vive a vida.
Dádiva divina!
Divide o dia .
Não vive em vão!
Vinda do ovo,
Do nada!
Diva, nívea
Divina! Viva!
Ave da vaidade.
Ave da vida !
Ovo! Ave!
Ovo! Vida!

O desmembramento é a implosão, o fracionamento de uma palavra em várias outras. Ou ainda, o reordenamento das letras formando novas palavras, como o que foi feito com Novidade.

Autor: Lu Faria dos Anjos 18/04/08

quinta-feira, 17 de abril de 2008

A IGREJA DO DIABO

Machado de Assis

A IGREJA DO DIABO

CAPÍTULO I

DE UMA IDÉIA MIRÍFICA

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.

- Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.

Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: - Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

II

ENTRE DEUS E O DIABO

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-no logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.

- Que me queres tu? perguntou este.

- Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.

- Explica-te.

- Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...

- Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.

- Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?

- Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor,

- Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.

- Vai

- Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?

- Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?

O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:

- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê- las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...

- Velho retórico! murmurou o Senhor.

- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, - a indiferença, ao menos, - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...

Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica, Deus interrompeu o Diabo.

- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

- Já vos disse que não.

- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?

- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.

- Negas esta morte?

- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...

- Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!

Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.

Ill

A BOA NOVA AOS HOMENS

Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.

- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...

Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.

Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.

As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.

Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.

Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.

IV

FRANJAS E FRANJAS

A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.

Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.

A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outra descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro.

Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse:

- Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.

Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Prestigio - Ediouro - s/d.

Perder é ganhar

ESDC -Curso de Formação de Escritores: Exercício de Avaliação


Perder é ganhar
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Quando vim ao mundo, a família que me acolheu recebeu também um manual de instrução que dizia:”É missão desta família, alimentar, vestir, abrigar, instruir, educar e acima de tudo dar muito amor” a esta criança . Depois disso, deverão entregá-la ao mundo novamente, para que ela também possa colocar em prática esse aprendizado”.

Após alguns anos tomei conhecimento do autor desse manual. Era Deus! A partir daí, todas as minhas decisões eram norteadas por esse manual. Às vezes eu não entendia , cometia erros, mas voltava às instruções iniciais e tudo se acertava. Certo dia me deparei com uma grande falha naquele manual. Ele não mencionava perdas e foi exatamente esse motivo que me levou a consultá-lo, mais uma vez. Nessa ocasião, o principal membro da família, devido a alguns problemas de saúde, foi submetido à uma amputação. Pela primeira vez fiquei decepcionada com as palavras, pois naquele manual não constava uma única palavra que pudesse dar a real dimensão do que era uma “perda”. Aquela pessoa que me levava a todos os lugares, que me ensinava todos os caminhos, agora estava impossibilitada de exercer a faculdade de ir e vir , uma vez que havia perdido uma das pernas. Não... não tinha sido ela somente a conviver com a perda, todos que estavam a sua volta - cada um à sua maneira - também sofreram uma perda. Era difícil aceitar. Voltei ao manual, procurei novamente, olhei para todas as palavras buscando a alma de cada uma delas. Achei! Estava lá, contida numa outra: o Amor! Esse amor amplo, incondicional que abarca na maioria das vezes sentimentos tão opostos, mas que nem por isso deixa de ser amor.

Percebi então, que perder é ganhar! Quando perdemos, ganhamos uma visão mais ampla de mundo, reavaliamos nossos sentimentos, buscamos forças para recuperar e crescer novamente e acima de tudo; reconhecer o valor daquilo que ficou. E o Amor? Ah! Esse é o que realmente move o mundo. Nele estão contidos todos os sentimentos humanos, pois até o ódio é nutrido pelo amor e cabe ao homem ter discernimento de fazer a escolha certa. E aí sim, somente nesse caso, a perda do Amor em detrimento ao ódio, será o fim da existência.

Pensei em presentear alguns amigos com este manual, mas descobri que não se encontra à venda, pois ele já está gravado em cada ser humano. Basta consultá-lo. O acesso às consultas é ilimitado!

Autor: Lu Faria dos Anjos 17/04/08

terça-feira, 15 de abril de 2008

Operação Pasárgada


da Folha Online

O TRF (Tribunal Regional Federal) decidiu soltar todos os envolvidos na operação da Polícia Federal, que na última quarta-feira (9) prendeu 52 pessoas em Minas Gerais, na Bahia e no Distrito Federal, por suspeitas de desvio ilegal de recursos do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), repassados pela União. O prejuízo aos cofres públicos é estimado em R$ 200 milhões, em três anos.

Entre os detidos na Operação Pasárgada, como foi batizada pela PF, há 16 prefeitos (14 de MG, um deles afastado do cargo, e dois da BA), quatro procuradores municipais, nove advogados, um gerente da Caixa Econômica Federal e até um juiz federal de Belo Horizonte, além de mais quatro servidores do Judiciário.

Segundo divulgou o TRF, a Corte Especial do Tribunal "decidiu, na noite de ontem (11), em agravo regimental, que o Corregedor-Geral da Justiça Federal de 1º Grau da 1ª Região não tem competência para decretar, em decisão monocrática, a prisão dos investigados, uma vez que sua atuação é meramente administrativa, não alcançando medidas judiciais restritivas de direitos".

Com a decisão, ao recurso de um magistrado preso na operação da Polícia Federal, foi revogada a prisão de todos os presos na operação Pasárgada.

A PF manteve sob sigilo os nomes de todos os envolvidos, mas o cumprimento dos cem mandados de busca e apreensão da operação acabou revelando os nomes de alguns suspeitos. Foram os casos, por exemplo, dos prefeitos das cidades-pólo mineiras de Juiz de Fora, Carlos Alberto Bejani (PTB), e de Divinópolis, Demetrius Pereira (PSC).

A maioria dos suspeitos foi presa em casa, já que às 6h os agentes da PF estavam nas ruas cumprindo os mandados judiciais. No total, houve apreensão de R$ 1,3 milhão, US$ 20 mil, 38 veículos e dois aviões, além do seqüestro de "vários imóveis".

Esquema

O esquema investigado há oito meses envolve prefeituras que têm dívidas com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Os municípios têm 6% do repasse mensal do FPM retidos para ser abatido no débito com o órgão da União.

Contatadas por lobistas, as prefeituras contratavam sem licitação um escritório de advocacia, que entrava com mandado de segurança na Justiça Federal alegando que o INSS estava retendo valores superiores aos 6% --o que não era verdade. Se o percentual alegado fosse 9%, o juiz determinava a liberação dos 3% excedentes.

O dinheiro era usado para pagar a todos os envolvidos no esquema. No caso do juiz, segundo a PF, havia venda de sentenças e suspeita de distribuição irregular de processos. Ele recebia "em dinheiro vivo mesmo, isso está comprovado", segundo o delegado Mário Alexandre Aguiar, coordenador da operação.

Os lobistas também contatavam os magistrados, e servidores da Justiça remetiam os processos sempre para as mesmas varas: "O lobista oferecia a esses juízes vantagens indevidas para que eles concedessem as sentenças. As ações eram distribuídas em duas varas de forma fraudulenta", disse Aguiar.

Um gerente da Caixa Econômica Federal em Belo Horizonte, sócio de um dos principais lobistas, era o "elo" entre o Judiciário e os advogados. Segundo a PF, seria ele o responsável por fraudar documentos. Ele foi o único que teve a prisão preventiva decretada (30 dias). Todos os outros foram presos temporariamente (cinco dias).

Curso de Formação de Escritores: Exercício de avaliação

Para entender a Operação Pasárgada da PF , que tal consultarmos Bandeira e refletirmos a bandeira?

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Manuel Bandeira

Parafraseando Bandeira

Vou-me embora pra,BA, DF e MG
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra BA, DF e MG

Vou-me embora pra BA, DF e MG
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que toda vez que me ausentar
Fica o vice ou seu suplente
Pode ser até um parente
Ou um neto que nunca tive

E então farei ginástica
Andarei de avião
Montarei em puro-sangue
Subirei nos palanques
Para o povo me aclamar
E quando estiver cansado
Arrumarei um pretexto
Para poder viajar
Pra eu viver as histórias
Que no tempo de eu menino
Não podia imaginar
Vou-me embora pra BA, DF e MG

Vou-me embora pra BA, DF e MG
Em BA, DF e MG tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De não impedir a corrupção
Tem telefone restrito
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra BA, DF e MG

Autor: Lu Faria

15/04/08

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O som do Silêncio

Curso de Formação de Escritores: Exercício de avaliação

O Som do Silêncio

Pssssiu.......
Eu ouço o som
Do silêncio sagrado
Do segredo selado
Subindo ao céu
Sorrindo e sonhando

Sentindo o sonho

Selando o segredo
Seguindo o sagrado som
Do silêncio que eu ouço
.

Lu Faria dos Anjos