quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Dia da Consciência Negra

A outra Negra Fulô

(Oliveira Silveira)


O sinhô foi açoitar
a outra nega Fulô
- ou será que era a mesma?
A nega tirou a saia
a blusa e se pelou
O sinhô ficou tarado,
largou o relho e se engraçou.
A nega em vez de deitar
pegou um pau
e sampou nas guampas do sinhô.
- Essa nega Fulô!
- Essa nega Fulô!,
dizia intimamente satisfeito o velho pai João
pra escândalo do bom Jorge de Lima,
seminegro e cristão.
E a mãe-preta chegou bem cretina
fingindo uma dor no coração.
- Fulô! Fulô! Ó Fulô!
A sinhá burra e besta perguntou
onde é que tava o sinhô
que o diabo lhe mandou.
- Ah, foi você que matou!
- É sim, fui eu que matou
–disse bem longe a Fulô
pro seu nego, que levou
ela pro mato, e com ele
aí sim ela deitou.
Essa nega Fulô!
Essa nega Fulô!



Muito louvável e digno o engajamento do professor e poeta Oliveira Silveira, na luta pelo reconhecimento do negro enquanto cidadão, artista, intelectual etc.
Do poeta Oliveira Silveira, sabe-se muito pouco ainda, mas desse pouco, sabemos que nasceu em Rosário do Sul, município à oeste do estado do RS, em 1941. É formado em letras, professor e pesquisador, militante pela causa da integração do negro na sociedade.
Pesquisas realizadas por Oliveira Silveira acerca da morte de Zumbi, dão conta de que 20 de novembro de 1665 foi a data oficial da morte do líder dos Quilombos, motivo pelo qual escolheu-se este dia para o reconhecimento do negro enquanto cidadão.
Embora não muito divulgada, a obra de Oliveira Silveira já tem poemas traduzidos em outros idiomas, dentre eles o inglês e o alemão. Consta de suas publicações as obras “Germinou”(1977), “Banzo, saudade negra”(1970), “Pelo Escuro”(1977), “Roteiro dos Tantãs”, entre outras.
Os versos de sua linguagem produzem uma estranheza que revela uma certa malícia e ironia.
O poeta que escreveu “Outra nega Fulo”(1970) é um poeta engajado com questões da integração do negro na sociedade, assim como Jorge de Lima o era em 1928, quando escreveu “Essa Negra Fulo”.
Nota-se um constante diálogo entre os dois poemas e ambos fazem exaltação à mulher negra.
A poesia de Silveira ironiza e dialoga o tempo todo com a de Jorge de Lima.
Enquanto Silveira afirma, interroga, exclama como alguém que desabafa, Jorge apenas relata os fatos, com indignação, mas passivamente sem envolvimento efetivo.
Silveira é dotado de coragem e enfrentamento, Jorge de Lima transcorre displicente, dócil à perspectiva de uma memória de infância, quase uma crônica do nordeste escravocrata.
Ao meu ver estamos necessitados de muitas outras consciências como a Consciência Verde, a Consciência Social, a Consciência Política, a Consciência Ambiental, a Consciência da tolerância a todas as desigualdades, sem exceção.
Zumbi é na verdade um símbolo da discriminação de toda ordem, seja ela étnica, religiosa ou sexual - esta inclusive no que diz respeito à opção.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Só digo aquilo que vejo

Só digo aquilo que vejo: não invento, nem aumento!
Longe de mim fazer mau juízo do rapaz! Rosalvo era o nome dele. Mas que ele tinha hábitos estranhos, ah! isso lá, ele tinha.
Onde já se viu levantar às 3 da manhã, vestir a roupa da mulher, atravessar a rua e entrar na casa da vizinha?
Diziam que ele sofria de sonambulismo, e que era perigoso acordar o doente, pois corria risco de morrer. Nunca ouvi falar nisso, mas...
Já tinha tentado todos os tratamentos, mas não havia meio dele querer sarar.
Coisa estranha! Sua mulher coitada, para compensar a ausência do marido, ficava acordada a noite inteira – fazendo poesia.
E eu, de quando em quando, olhava pela fresta da minha janela, para assuntar se estava tudo bem com Alva, a pobre da esposa. Afinal ela ficava sozinha. Não podia ir atrás do marido, senão ele morria.
- Doença triste essa!
Às vezes, aparecia um vulto que andava pela sala e estava sempre do lado da esposa de Rosalvo. Acho que era o mentor das poesias que ela fazia. Era um vulto alto, forte e perfumado.
- Como eu sei que ele era perfumado?
- Ora, de vez em quando batia um vento de lá, que entrava pela minha janela, e trazia o cheiro da lavanda!
Mas esse vulto aparecia também na casa da vizinha, uma casa amarela, para onde Rosalvo ia quando ficava sonâmbulo.
Ainda bem que isso só acontecia quando o marido da vizinha viajava.
E ele viajava toda semana... mas era a trabalho!
- Doença triste essa!
Certo dia, depois de tantas noites em claro, Alva foi contar quantas poesias tinha feito.
A doença de Rosalvo rendeu um livro com 200 páginas de poesias.
No início eram poesias de exaltação à natureza, ao amor sublime...daquelas de roubar a alma da pessoa amada!
Mas com o passar do tempo, Alva foi ganhando tanta inspiração, que suas poesias passaram da exaltação à excitação. Eu diria que eram eróticas mesmo! Deve ter sido influência daquele mentor alto, forte e perfumado.
O livro de Alva fez tanto sucesso que ela conseguiu pagar um excelente tratamento para Rosalvo. Ele não tem nem sinal de sonambulismo mais!
Mas a vizinha...Enfim! Tornou-se mãe de uma linda menina!
E Alva afeiçoou-se tanto à menina, que passava horas lendo histórias infantis para a pequena princesa, que lhe roubava a alma, tamanha era a sua doçura!
A menina foi crescendo com uma forte convicção: queria ser escritora de “histórias infantis” tão lindas quanto as “poesias de Alva”!.

Exercício proposto por Bruno Cobbi, intitulado Roubando Almas.
Desafio feito pela Patrícia Cytrynowicz: Um narrador envenenado.

Confira o mapa da aventura.